terça-feira, fevereiro 28, 2006

Arquitectura - Fabryka Trzciny, Varsóvia

Centro de Artes Performativas
Autor: Kulczynski Arch.
Quanto mais decadente, melhor. Foi esta a principal premissa de reconversão de um sinistro matadouro no Centro de Artes Fabryka Trzciny, levado a cabo pelo atelier Kulczynski. Optaram assim por explorar o carácter de um edifício que apenas surge após anos de decadência, abandono e negligência.O aspecto industrial tem sido tema relativamente comum em espaços artísticos recentes, bares, lofts, entre outros. Exemplos bem conseguidos de fábricas convertidas em “santuários” artísticos e provas da popularidade que este tema atingiu são o Mass MoCA, no estado norte-americano do Massachussetts ou o Dia:Beacon em Nova York.
No entanto, estes têm um acabamento polido e refinado, “novo”, e que caracteriza também a generalidade dos edifícios concebidos sob estas condições, assegurando-nos que por detrás daquelas fachadas desordenadas tudo está ordenado e arrumado. Estilizado. Diria até esterilizado.
O mesmo não acontece em Trzciny, onde o edifício de 1800m2 construído em 1916 no Distrito de Praga é agora um ex-espaço fabril tornado artístico cada vez mais popular. Um verdadeiro farol nas marés Minimalista e High-Tech.Os arquitectos depararam-se certamente com alguns problemas na fase projectual para manter o máximo de características originais, impedindo no entanto que se deteriorasse mais e mantendo em simultâneo a construção dentro das normas legais, obedecendo a um orçamento forçosamente modesto. E que sobretudo fosse apelativo para o público a que se pretendia dirigir.
O programa para o edifício, com pé-direito de 3.80m, incluia um espaço de actividades performativas com 190m2, na antiga sala de máquinas; um restaurante/sala de concertos de 250m2; três bares; uma cavernosa galeria de paredes brancas; uma área de exposições coroada por um maciço barril de madeira; e um átrio que funcionasse também como sala de projecção.
Poucas foram as paredes demolidas e a maioria da superfície das paredes permaneceu inalterada.
A fachada continua povoada de descolorações e manchas de humidade, enquanto muitas das paredes interiores têm a pintura irregular, com demãos anteriores à mostra, alvenarias visíveis, canalizações expostas, fendas profundas. Efeitos implacáveis do tempo. Lâmpadas sem candeeiros iluminam as salas, os pavimentos, inalterados, são mosaicos daqueles que hoje já não encontramos com facilidade, em que se misturam cores e estilos, mudados e reparados com o tempo, martelados, gastos, moídos.
Por questões técnicas e práticas, todas as superfícies foram limpas e revestidas com verniz incolor para prevenir a degradação e impedir formação de poeiras. As casas de banho foram remodeladas, à imagem das cabines de comboios antigos, e as cozinhas levaram um acabamento de cor vermelha, brilhante, destinado a atribuir a contemporaneidade exigida.
A estética contemporânea e jovial é reforçada pelas 4000 garrafas de alcoól de côr magenta que compõem o bar, empilhadas por trás do balcão, um perfil circular em aço de 9.15m de comprimento encimado por um tampo em vidro.
Esta dualidade contemporâneo-industrial está inteligentemente ilustrada noutro bar, onde quadros eléctricos sobrepostos enquadram o balcão de madeira. A antiga sala das máquinas, agora espaço de espectáculos viu uma fornalha de 1.50m de altura e 6.40m de largura ser convertida em palco.
Para muitos esta estética pouco convencional pode estar longe de ser considerada bela.
Eu gosto. A sua sua originalidade (ao não optar pelo aspecto “clean”) e arrojo agradam-me. Um exercício de criatividade com poucos recursos que me parece muito bem conseguido. Ainda que o tema industrial não seja novidade, esta opção não é pretensiosa, convertendo um espaço de aspecto popular/comum sem o tornar elitista, tornando-o convidativo não apenas a uma franja da população, mas sim a um público mais vasto.
Longe de ser um escravo da ordem e da previsibilidade, da formatação espacial descaracterizada de muitos novos espaços de temática industrial, a Fabryka Trzciny é um albergue de tertúlia, de criatividade, de sonho.

(No player, música nova para dar ambiente à Fabryka do "Bloc" de Leste)