quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Livro

"Cidades Ilustradas - Belo Horizonte", de Miguelanxo Prado
Aqui fica mais uma sugestão, desta vez um livro de Miguelanxo Prado, autor galego que apesar de formado em arquitectura tem sobressaído sobretudo pelos seus ensaios estilísticos nos domínios da banda desenhada e também da literatura.

Para ler e...ver.

"Encontro na Pampulha"
"Hoje é quarta. Fui à Lagoa da Pampulha.

Aquela paisagem é o resultado do cunho modernizador entusiasta de Juscelino Kubitschek e da ambição criativa de Oscar Niemeyer. Não pude evitar uma sensação kitsch ante alguns daqueles edifícios, mas o conjunto tem um fascínio atemporal, quase onírico. Como uma lembrança.
É imensa. Fui percorrendo a orla, parando de vez em quando, pensando ver, a cada instante, a mulher com quem tinha um impreciso encontro.
Ao passar pelo Museu de Arte da Pampulha estava convencido de tê-la encontrado. Estava a chegar à entrada. Estacionei o carocha e entrei no local. Não estava lá.
Saí às pressas, dei a volta ao edifício, procurei pelos caminhos do jardim, mas não a encontrei.

Sentia-me como uma personagem de Hitchcock."

"Pôr-do-Sol"
"Dorinda é mulher a dias no aeroporto da Pampulha. A sua jornada está a chegar ao fim. Doem-lhe as pernas e, sobretudo, os pés. Empurra com desânimo o carrinho em que leva o material de limpeza. Nele, coloca um cartãozinho onde se lê: “Fora de Serviço para Manutenção”. Entra na casa de banho das mulheres. Lá ao fundo, Dorinda vê uma jovem - para ela, com seus gastos 53 anos, qualquer mulher que aparente menos de 40 é uma jovem - diante do espelho.
Subitamente, a mulher tira da cabeça uma peruca loura e lisa. O cabelo, o verdadeiro, está preso. Quando o solta, vê-se uma cabeleira anelada, de um negro profundo. Guarda a peruca numa bolsa e sai. Ao passar ao lado de Dorinda, sorri, e a mulher a dias pensa que a brancura do seu sorriso se assemelha à lua. De vez em quando Dorinda tem esses ímpetos poéticos.

A mulher da peruca sai do edifício do terminal e vai em direcção ao estacionamento. De frente, vem outra mulher loura, apressada e tristonha. A mulher da peruca sabe que esta outra se chama Laura.

- Chegou tarde. Já se foi, diz-lhe quando se cruzam.

Segue caminhando sem olhar para trás, sem saber o que agora fará a outra, Laura, a fantasma, a loura verdadeira. Abre a porta de um carro, coloca debaixo do assento do motorista a bolsa com a peruca, senta-se, fecha a porta e arranca.

Conduz um táxi."